Intervenção no lançamento do livro de M. Norberto Corrêa
Este é fundamentalmente o livro que o seu autor tinha
em mente fazer. Imagino por isso que deva sentir-se realizado e muito feliz
pela qualidade do resultado.
Mas, mais do que isso, este é o livro que o seu autor considerava
que se impunha fazer e ao qual dispensou
o mesmo rigor, o mesmo empenhamento e a mesma paixão que dispensou a todos os
projectos da sua vida ao longo de 60 anos de carreira.
Norberto Corrêa idealizou um livro que não fosse só um
testemunho fiel da sua vasta, valiosa e eclética obra de arquitectura, urbanismo
e design.
Nunca escondendo ter pretendido fazer um livro de exemplos dos seus trabalhos e da sua prática profissional
concreta mas «indicando as razões que levaram a que alguns
desses estudos não tivessem sido concretizados em obras, e por que motivos
outros, que vieram a ser construídos, caíram no silêncio, [e] numa não alusão, (…)
como se tais trabalhos não tivessem existido, nem o seu autor»,
sei que nunca foi sua intenção fazer do seu livro algo que lhe servisse de
mera e egoísta satisfação, ou que meramente falasse de si e da sua genialidade
- isso jamais seria capaz de fazer.
Ao contrário, quis que fosse um livro que também
falasse da importância do trabalho interdisciplinar e de equipa, e em que
pudesse deixar para a posteridade o seu reconhecimento sincero a todos os
profissionais que consigo trabalharam e que contribuíram para as suas obras.
Norberto Corrêa idealizava, pois, e como sempre nas
suas obras e na sua forma de estar na vida, uma obra altruísta, que servisse à
sociedade e que tivesse um carácter marcadamente pedagógico para todos quantos se
dedicam ao estudo destas matérias e adoptam o urbanismo ou a arquitectura como a
sua profissão.
Idealizava um livro feito de coisas concretas, fácil de
ler e compreender pelas pessoas comuns, «aqueles [como nos ensinou nas suas
aulas de Deontologia] a quem o urbanismo e a arquitectura devem servir», e, fundamentalmente, um livro para estudantes, sobre a prática
profissional e percurso de um arquitecto-urbanista, para quem as gerações profissionais
precedentes, inevitavelmente, têm a obrigação ética e deontológica de endossar a
responsabilidade de continuarem a pugnar por cidades e territórios mais
qualificados e sustentáveis e de saber lidar com a lógica da primazia do lucro tão
característica da generalidade dos promotores.
Essa pareceu-me ser sempre a sua maior motivação quando
pude conhecer-lhe o pensamento durante as nossas inesquecíveis conversas sobre
este livro, algumas delas durante as pausas do trabalho de programação do
número seguinte da revista «Urbanismo», já lá vão, seguramente, mais de 10 anos.
Passado todo este tempo, impressiona positivamente constatar
o resultado e perceber a forma inteligente como Norberto Corrêa soube levar do
pensamento à prática este projecto, o controlo que sempre soube ter de todas as
suas diferentes dimensões e fases, para que a forma final não se desviasse, no
essencial, da ideia de partida.
Isso é patente na selecção das obras e na coerência dos
desenhos que as ilustram, na agradabilidade do arranjo e na intencional opção
pela ordenação dos projectos em respeito ao critério da sua sequência no tempo
em detrimento da opção pela sua segregação por tipos.
Para um virtuoso como Norberto Corrêa, é fácil assumir
que «tudo o que ocupa espaço é do domínio da arquitectura», logo, que urbanismo,
arquitectura e design são uma única coisa apenas e não disciplinas necessariamente
autónomas que justifiquem abordagens independentes.
Bem conseguida é também a harmonia entre a dimensão
gráfica do livro, a qual o autor sempre quis privilegiar, e os textos de
acompanhamento, alguns, necessária e intencionalmente, fazendo a
contextualização indispensável à sua cabal compreensão.
Norberto Corrêa nunca quis fazer um livro erudito, antes,
um livro fácil, franco, subtilmente crítico, como subtis e corteses serão
sempre os reparos dos homens grandes como ele, dos homens com uma conduta de
vida e profissional tão eticamente irreprovável e generosa como é a sua. Fê-lo,
em suma, como sempre, a pensar muito mais nos outros do que em si mesmo, com a
entrega, a competência e o rigor habitual das suas obras. Está, portanto, francamente
de parabéns por isso.
Este é um livro que, além de despertar a nossa vontade
de conhecer melhor cada detalhe da obra de Norberto Corrêa, abre-nos diversos
prismas de análise e linhas de meditação, tal é a singularidade e riqueza do
seu percurso profissional.
A partir deste livro será certamente outro o interesse da
Academia e dos profissionais do urbanismo para a reflexão em torno da sua carreira,
do lugar na história da sua obra, que é seu por direito próprio, e da singular
dimensão conceptual que lhe está associada, a que Jerome Markson designa de «uma
estética ibero-mediterrânica única».
O centro de estudantes
da cidade universitária e a sua vanguardista cantina -primeiro self-service do país-, o centro de
documentação do LNEC -e o pormenor da sua distinta ligação em ponte ao edifício
principal-, o externato e igreja da Luz -a
primeira obra em Portugal onde foram atendidas as recomendações do Concílio Vaticano
II para a construção de novas igrejas-, são obras modernas portuguesas de
referência, às quais ainda não foi atribuída a relevância que é justo
reconhecer-lhes na história da arquitectura portuguesa moderna e de vanguarda
da segunda metade do século XX.
O mesmo se diga
relativamente ao centro de medicina de reabilitação de Alcoitão quanto ao reconhecimento
que está por fazer do trabalho de Norberto Corrêa, na vertente de design de
mobiliário e equipamento.
No que à dimensão
urbanística concerne, são imensamente relevantes os exemplos deste livro relativos
ao planeamento, de inspiração moderna, da cidade universitária de Lisboa, o
paradigmático arranjo da envolvente ao Mosteiro da Batalha ou o caso do Vale de
Algés e da dimensão social que lhe esteve associada por iniciativa do urbanista
para o realojamento das famílias moradoras no bairro de Santas Martas e as
anotações complementares do autor quanto a algumas das menos agradáveis razões que
explicam o seu abandono e deturpação.
Também o plano sub-regional
de Armação de Pêra, que detalhava, na sua área de intervenção, o primeiro Plano
Regional do Algarve, nos alvores do desenvolvimento turístico da região, e cuja
leitura imediatamente provoca a nossa curiosidade para aprofundar a análise e o
estudo das razões que explicarão, com o rigor devido, como foi possível que o
desenvolvimento turístico e aquela parte concreta do território nacional não
sirvam hoje melhor os interesses da sociedade e os desígnios do país como
poderiam e deveriam ter servido se os planos e as metodologias de abordagem de
Norberto Corrêa tivessem sido respeitados ou lhes servissem de inspiração.
É evidente a importância desta obra para o estudo do
urbanismo de vocação dominantemente turística que ocorre no Algarve desde há
meio século.
E aquilo que esta obra também nos ensina, é que tudo
podia ter sido diferente do que foi, assim as preocupações de Norberto Corrêa
com a integração paisagística e com a tradição arquitectónica local tivessem sido
a regra de abordagem dos que projectaram para o Algarve desde os anos 60 e não,
infelizmente, uma das suas mensuráveis excepções.
Ainda no que ao urbanismo algarvio e à sua história
recente importa, muito caminho há a percorrer para desmistificar ideias
equívocas e separar o trigo do joio, quer dizer, para que, com serenidade e
racionalidade, consigamos distinguir entre o que se fez de bom, e que deve ser
merecedor de todo o nosso reconhecimento, daquilo que se fez de menos bom. E
também para isso e para o estudo do urbanismo turístico este livro e a obra do
seu autor são um contributo de inestimável importância.
Por todas as dimensões do seu brilhante percurso
profissional, e como bem refere o Prof. Manuel da Costa Lobo no seu texto que
encontramos nas páginas iniciais deste livro: «O
Arquitecto M. Norberto Corrêa é um profissional que vale a pena apreciar, pelas
suas obras e pela sua carreira.»
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