Insuspeito

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02 novembro 2010

Das SCUT aos Paços do Concelho Séc. XXI - 18 anos de PPP em Portugal


No livro "Como o Estado gasta o nosso dinheiro" (Editora Caderno/Grupo Leya, 2010), um insuspeito juiz jubilado do Tribunal de Contas e ex-Inspector-Geral de Finanças, Carlos Moreno, recorrendo a uma linguagem simples e muito facilmente entendível por quem o quiser realmente entender, prova à saciedade a catástrofe para o país que constituem dezoito anos de parcerias público-privadas em Portugal - as nossas bem conhecidas PPP.
"Portugal é o campeão europeu das PPP - mas de PPP que afogam os contribuintes em dívidas, em especial os das gerações futuras (...) Segundo a 'League Tables Project Finance International', Portugal aparece distanciado, no topo da lista, com 1.559 mil milhões de euros de empréstimos, seguido de França com 467, da Polónia com 418, da Espanha com 289, da Irlanda com 141 e da Italia com 66 mil milhões.", diz.
Dá para perceber. Em PPP somos mesmo campeões!
Segundo o autor, "A habilidade [dos governantes portugueses em financiarem obra pública com dinheiros privados, em regime de PPP, sem que a mesma entre no Orçamento do Estado e sejam aparentemente respeitadas as restrições de Bruxelas] é notória: os responsáveis continuam a mostrar obra, passam até a fazer mais obra, mas não a pagam agora. Agora quem a paga são os privados. A factura para os contribuintes virá depois. No imediato, todos ficam satisfeitos. A União Europeia deixa de se preocupar com o défice e a dívida. Os governantes e os governados aumentam expectativas de mais votos e de melhor nível de vida. Os parceiros privados fazem excelentes negócios."
"O negativo da fotografia não se vê: está reservado para as gerações futuras."
Se, recorrendo à opção tradicional do investimento/financiamento público directo, a obra fica ou não mais barata para as Finanças dos governos centrais ou locais, no fundo, para os cidadãos, apesar de tal ponderação ser obrigatória por lei, a insuficiência ou mesmo a falta de exemplos para comparar tem constituido a regra das fundamentações comummente apresentadas pelas governanças para que essa mesma lei seja contornada e para que... "siga o baile!"
É o que acontece com os casos da Ponte Vasco da Gama (concessão LUSOPONTE), do Metro Sul do Tejo (concessão FERTAGUS), SCUT ou subconcessões da empresa pública ESTRADAS DE PORTUGAL, SA., cujas facturas de milhares de milhões de euros irão repercutir-se directamente no bolso dos contribuintes durante décadas, contribuindo para o empobrecimento do país e não para o seu desejável contrário.
À nossa escala municipal, é o que acontece também, de uma forma flagrante, com o edifício Paços do Concelho Séc. XXI, passível de financiamento directo pela Câmara Municipal de Lagos à data da formalização da PPP que o realizou e que, até hoje, os responsáveis políticos por tal opção nunca demonstraram, como era sua obrigação, quais as verdadeiras razões para terem escolhido essa via de financiamento e não a outra.
Recordo que, em 2007, a Câmara Municipal de Lagos possuia capacidade de endividamento e a mesmo não se encontrava congelada, ao contrário do que tinha sucedido anos antes, ao tempo dos governos Durão/Santana Lopes.
Dessa PPP resultou um encargo para os contribuintes, tipo leasing, a pagar em 20 anos, à razão de aproximadamente 170 mil euros por mês. 170 mil euros por mês!
No final, por causa de uma obra de 13 milhões de euros, teremos pago 40 milhões de euros, ou mais, se não houver pelo meio qualquer renegociação ou reequilíbrio financeiro com o parceiro privado, situação que, infelizmente, mais tem constituído a regra e não a excepção das PPP portuguesas.
Carlos Moreno atribui as causas e sucessivos erros cometidos pelo Estado com as PPP à "incompetência, desleixo, facilitismo, populismo eleitoral, etc" (...) Ao 'deixa andar' que depois se vê e no 'quem vier atrás de mim que feche a porta'."
No que às PPP de Lagos concerne - Paços do Concelho Séc. XXI, parques de estacionamento da Frente Ribeirinha e Anel Verde, por exemplo - eu também quero acreditar que foram essas, e não outras, as causas do anunciado desastre financeiro.
Terá sido por incompetência, desleixo, facilitismo, populismo eleitoral, etc. que Júlio Barroso e toda a sua equipa PS da Câmara e Assembleia Municipal foram atrás das PPP e não se preocuparam sequer em explicar aos contribuintes que vantagens e inconvenientes traria consigo qualquer outro modelo, como era sua obrigação, repito.
Eu próprio, ainda hoje estou à espera de resposta à pergunta que fiz e insisti nas reuniões de Câmara de Abril e Maio de 2007 em que tal decisão a propósito do novo edifício da CML foi consumada. "Sr. Presidente, diga-me por favor: - Por que é que fazer uma PPP é mais vantajoso para Lagos do que pedirmos um empréstimo à banca para construir o novo edifício da CML?", perguntava eu na altura. A resposta, sabe-se lá porquê, nunca chegou...
Hoje, com as finanças municipais mergulhadas no abismo, ocorre-me outra questão: Sr. Presidente, será que se fosse hoje que tivesse de decidir pelo financiamento daquelas obras teria agido exactamente como agiu naquela altura? Ou, se calhar, mais fugiria das PPP como o diabo foge da cruz?
I
Foto: Paços do Concelho de Lagos Séc. XXI, autoria de José Manuel Fonseca Simões.

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